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Portugal Litoral

Dizem que Portugal é lindo, então decidi certificar isso eu mesmo. Não que eu precisasse ver para crer, mas precisava ver para sentir.

Portugal Litoral

Dizem que Portugal é lindo, então decidi certificar isso eu mesmo. Não que eu precisasse ver para crer, mas precisava ver para sentir.

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A recepcionista do hostel em Sines, onde tive que passar a noite antes de voltar para casa, perguntou-me se eu gostaria de um quarto com vista para o mar. “_Não, obrigado”, respondi-lhe prontamente, sem a menor hesitação. Afinal, foram 15 horas e 65km a ter vista do mar, desde a madrugada até depois do sol se por. Tive uma overdose de vista do mar.


A caminhada número 6 pela costa portuguesa teve início às 4:22h de domingo do dia 7 de Janeiro de 2018, em Tróia (Setúbal) em frente ao Casino. Cheguei ao destino, Sines, às 19:00h. Foi precisamente 14 horas e 38 minutos a duração do percurso.


Fiquei impressionado com o que a minha “carcaça de grilo”, de um “cota” como eu, é capaz de suportar. Depois de dois dias de jornada dupla no trabalho, 14 horas cada dia; emendei mais 15 horas de caminhada. Saí do trabalho no sábado à meia-noite; passei em casa para tomar banho, jantar e arrumar a mochila e às 2:30h parti de carro à Setúbal. Cheguei à Setúbal depois das 3h, portanto tive que esperar o barco da Atlantic Ferries que me levaria até Tróia que sairia às 4h.


O dilúculo estava previsto para às 7:52h, caminhei 3 horas envolto na escuridão que a lua, no seu último dia da fase cheia, 65% iluminada, amenizava um bocadinho. Esta foi a minha primeira caminhada noturna. Nem é preciso dizer que eu não tinha lanterna, estava mesmo a contar com a lua. Quando caminhamos no escuro tudo o que vemos são vultos e silhuetas de formas desconhecidas. É preciso forçar a visão constantemente para saber onde metemos os pés. As vezes as coisas parecem mover-se à nossa frente, quando na verdade não estão. Perde-se a noção do tamanho e distância das ondas no mar e por conta disso, fiz questão de andar o mais afastado possível de onde eu achava que elas podiam chegar na praia, pois estavam grandes, o mar agitado e a região sob alerta laranja, o que aumentou ainda mais a minha insegurança. A julgar pela areia fofa completamente molhada, percebia-se que horas antes a água havia chegado longe. Até imaginei uma onda gigante arrebentando na minha cabeça (afinal imaginação fértil é para essas coisas), mas não aconteceu, não desta vez.


A areia fofa molhada é o pior terreno de caminhar na praia, muito pior que a areia fofa seca. O calcanhar, quando pisamos, afunda na areia, que parece areia movediça, sobrecarregando, desta forma, as articulações que nos permitem dobrar os pés para frente e para trás. Pisar os pedais do carro na volta, por exemplo, foi um verdadeiro suplício. Só para constar, 90% do trajeto foi em areia fofa molhada.


Depois da primeira hora de caminhada, passada a excitação inicial, o meu corpo começou a apresentar sinais de exaustão. O sábado de trabalho puxado aliado ao fato de eu não ter dormido, estavam a querer me por abaixo, me jogar na lona, e afinal, conseguiram. Tive que parar para dormir.


Resisti o quanto pude, queria completar pelo menos ¼ do trajeto antes de deitar-me na areia, mas antes disso, estava no km 14 mais ou menos, faltavam ainda uns 3 km para completar ¼, tive outra ideia: “Vou deitar-me pouco antes do sol nascer, dessa forma, além de enganar meu relógio biológico, utilizo o sol como despertador quando seus raios ofuscarem meu rosto.” Deitei-me na areia às 7:15h e acordei 7:35 com as costas a congelar de frio por causa da areia gelada. E o sol, preguiçoso, ainda estava a dormir. Eu dormir 20min, melhor que nada, mas esperava mais. O jeito foi prosseguir. A escuridão já se havia dissipado, o frio estava no auge da sua frieza, 5ºC mais o vento forte que, aliás, esteve presente durante toda a caminhada a empurrar-me pelas costas, na direção do meu destino. Sob esse aspecto, foi de grande valia, não gosto nem de imaginar se ele estivesse a soprar na direção contrária. Dormitei mais duas vezes poucos quilômetros depois, mas o frio implacável da areia não deixou que passasse de 10 min. Também acho que não é preciso ressaltar aqui que eu não tinha saco de dormir. Talvez para a próxima arranje um.


Nas minhas elucubrações indaguei-me: “Se estou a esmorecer de cansaço e sono com menos de ¼ do percurso, como vou me aguentar até o final se nem dormir para descansar um pouco consigo?”. Entretanto o corpo tem lá suas artimanhas, então lá pelas nove horas da manhã, mesmo sem dormir, ele despertou. O sono foi-se embora e senti-me, com a ajuda do sol, revigorado e pronto para mais um dia. Foi como se o meu corpo não soubesse que o meu dia já havia começado há muito tempo. Ele estava a seguir sua rotina.

 

Segui meu caminho...

 

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 No barco da Atlantic Ferries Catamaran - Tróia das 4 horas

 

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 Casino de Tróia - Ponto de partida

 

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Não tirei nenhuma foto, com excepção da foto do casino, enquanto estava escuro. O que é uma pena porque para trás sei que ficaram belas imagens que dariam boas fotos se fosse dia. Estas duas fotos acima foram tiradas logo depois de eu acordar do meu cochilo na areia fria. O sol já dissipara a escuridão, mas ainda não havia dado o ar da sua graça.

 

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Eis aí meu companheiro o Sol a iluminar meu dia. O céu estava praticamente limpo, haviam apenas umas poucas nuvens no horizonte. O sol esteve presente durante todo o trajeto. 

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Eu deveria ter tomado nota do nome desses restaurantes que provavelmente só abrem no verão, mas não o fiz. Na verdade eu deveria ter tomado nota de muitas coisas, mas tomar notas gasta tempo e o meu era escasso.

 

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 Um longo caminho pela frente.

 

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Já havia comido uma laranja e agora ia comer uma maça, ambas encontradas na areia, ao pé da água, trazidas pela maré, penso eu. Agora já sei o que são frutos do mar. 

 

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Me parece uma vila de pescadores.

 

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Quando eu via pessoas, como essas da foto, apetecia-me correr até elas e pedir-lhes boleia, só que não o fiz, resisti com todas as minhas forças a todas as poucas pessoas que vi no caminho. 

 

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Pelas fotos não dá para ter a ideia exata do tamanho das ondas, mas estavam bem grandes.

 

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Se eu usasse óculos de sol , conseguiria ficar de olho aberto, mas não uso porque alteram as cores de tudo. Gosto de ver as coisas como são e por motivo parecido é que também não meto fones no ouvido. Prefiro o sons da natureza, ouvir o que se passa à minha volta, ouvir o som da onda, do vento, dos pássaros, dos meus passos e etc.

 

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 Arribas fósseis. Verdadeiras esculturas esculpidas pelo mar.

 

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 Um lugarejo aparentemente abandonado.

 

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Não gosto nada dessas duas fotos, mas precisava colocá-las. Além destes dois, encontrei mais 3 golfinhos como estes, mortos na areia. Estes foram o primeiro e o último respectivamente e coincidentemente o menor e o maior. Não sei o motivo de tantos golfinhos mortos na areia mas há aí qualquer coisa de errado que mais me parece intervenção (des)humana. O primeiro estava na Praia da Raposa e o último a aproximadamente 1,5km depois da Lagoa de Santo André. Alertei as polícias marítimas de Setúbal e Sines e uma ong de proteção a animais selvagens. Espero que, de alguma forma, eu tenha contribuído para que isso não mais aconteça e que as autoridades responsáveis façam alguma coisa. Este foi o fato triste do percurso.

 

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Como eu não sabia como se comportaria a maré nas próximas horas e o paredão de arriba fóssil estendia-se a perder de vista, eu precisava encontrar um sítio para subir a encosta e continuar a caminhada por cima. Se a maré enchesse muito, eu ficaria sem ter para onde ir. Encontrei essa escapatória com uma corda e, de prenda, dois bastões de caminhada caídos perto. Não tenho bastão, mas também não preciso, sempre encontro algum na natureza.  

 

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 A vista de cima também é espetacular. Foi bom ver o mar de outro ângulo e uma paisagem diferente.

 

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Encontrei uma trilha!  ...de areia fofa. 

 

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Tive que voltar para a praia por essas escadas porque para continuar por cima, teria que passar por dentro de uma propriedade particular. Mas já não tinha problema porque o paredão de arrábida fóssil havia acabado. Mais a frente voltei à subir para a encosta, a fim de escapar da areia fofa molhada.

 

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Um sofisticado e abandonado acampamento de pescador. Ao longo de todo o trajeto passei por vários lugares em que pescadores montaram acampamento e deixaram por ali seu lixo. Evidententemente que não eram casinhas como essa acima, eram acampamentos mais simples: um corta vento, uma fogueira e lixo de pesca tais como: baldes, garrafas de água, bóias, cordas, embalagens plásticas e etc. Essa casinha acima, além de todo esse lixo, tinha também colchões de espuma. Ao que me parece, passam a noite na praia com várias varas fincadas na areia, a espera que fisguem algum peixe. Era madrugada quando passei por um que dormia profundamente (morri de inveja dele estar a dormir e eu não ).

 

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Bar dos Tigres na Praia da Aberta Nova em Grândola

 

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 Minha querida trilha de areia fofa. Pelo menos não estava molhada.

 

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 Lagoa de Melides ↑↓

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 Lagoas de Santo André e Sancha ↑↓

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À medida que o tempo passava as nuvens iam multiplicando-se e tomando conta do céu. Eu já estava nos quilómetros finais mas ainda faltava muito chão para andar.

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 O mar extremamente agitado continuava seu espetáculo. O estrondo das ondas era incrível. 

 

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O Sol já estava quase a se por e Sines ainda muito longe. Não sei se foi no desespero ou na gana de chegar ou no medo de escurecer, que fui buscar forças para correr por pelo menos uns 3 km. Custa-me acreditar mas eu corri. Com dores por todo o corpo mas corri. Corri como quem não tem outra alternativa senão correr. Corri até o limite do meu corpo e mente, e só parei porque aquele ainda precisa continuar de pé e caminhar uma longa distância e esta havia percebido que continuar a correr não adiantaria muita coisa, que não chegaríamos antes do crepúsculo.

 

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E foi-se o sol e não o vi partir, escondeu-se atrás de nuvens, era 17:29h. Deixou-me só com o mar, a praia e um céu sem lua,  ainda mais escuro do que esteve de madrugada, com nuvens negras que pareciam que iam cair pesadas sobre a minha cabeça.

 

 

A hora final foi extremamente difícil. Foi aproximadamente 5km na escuridão total em que eu não via um palmo à frente do nariz. Se o começo no escuro tinha sido complicado, para o final nem tenho palavras. Além da escuridão, também havia o cansaço físico, mental e um frio excruciante. Só não esmoreci porque eu não tinha escolha, minha única alternativa era caminhar, caminhar e caminhar. Entretanto, parecia que eu nunca chegaria... 

 

..Mas cheguei. A última praia do percurso foi a Praia do Canto Mosqueiro. Era precisamente 19h da noite quando deixei a praia. Depois caminhei pela cidade mais uns 2,5km até a paragem de autocarro e descobri que não havia mais autocarros para Setúbal. Então caminhei mais um pouco até o hostel onde passei a noite.

 

E a recepcionista perguntou-me se eu queria quarto com vista para o mar...